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“OS PESCADORES TÊM QUE TER O DIREITO DELES DE PESCAR”

Em Noticias by Observatório NiteróiDeixe um Comentário

Em entrevista, o presidente da Associação de Pescadores da Ilha da Conceição, Ulysses Farias, discute como os impactos socioambientais gerados pela indústria do petróleo afetam a pesca artesanal na Baía de Guanabara

Em 2011, um mapeamento participativo com pescadores artesanais, realizado pela pesquisadora Carla Chaves, revelou que o maior usuário da Baía de Guanabara é a indústria petrolífera, uma porcentagem que vai de 22% a 44% de uso do espaço marítimo. Esse cenário vem intensificando a disputa desigual pelo uso da Baía de Guanabara, onde grupos tradicionais – como, por exemplo, os pescadores – têm sido impedidos de manter suas atividades. De acordo com a pesquisa, entre as áreas de trânsito e ancoragem de embarcações industriais e as áreas de preservação ambiental, apenas 12% a 25% da área total da Baía de Guanabara estaria livre para a pesca.

Confira, abaixo, a entrevista com o presidente da Associação de Pescadores da Ilha da Conceição, localizada na cidade de Niterói (RJ). Nessa entrevista, Ulysses Farias relata alguns dos impactos gerados pelas atividades industriais para o trabalho da pesca artesanal na Baía de Guanabara. Entre eles, a perda do espaço no mar para pescar, devido ao fundeio e trânsito de embarcações de grande porte, e o descarte de resíduos sólidos e líquidos no mar, que rasgam redes de pesca e afetam a dinâmica da vida marinha. Diante de uma Baía de Guanabara em disputa e muito impactada, o pescador aponta para a necessidade de uma melhor delimitação dos espaços de pesca e do direito dos pescadores, mas também convoca a reflexão da Baía de Guanabara como um bem de todos.

Como o trânsito e o fundeio de grandes embarcações na Baía de Guanabara interfere na pesca artesanal?

Ulysses: Interfere porque a gente está perdendo o espaço. A área permitida para a gente pescar é justamente a área que essas embarcações estão fundeadas. A área que ainda estão permitindo a gente pescar é área proibida. Só ficou o canal para a gente pescar na Baía de Guanabara.

Você pode falar como que é esse conflito?

Ulysses: É muito difícil, porque a gente vai pescar e, como somos uma embarcação de pequeno porte, então a gente não pode ficar na direção das embarcações de grande porte. O que acontece? Nós temos que nos afastar e procurar outro refugo ou outro lugar para pescar. Porque não podemos ir em direção da embarcação de grande porte.

Quais tipos de embarcação?

Ulysses: Embarcação de apoio desses empreendimentos. É todo momento entrando e saindo da Baía, esse tráfego de embarcação. Então, a gente a todo momento tem que procurar outro rumo.

Contraste entre barco de pesca e embarcações de grande porte no entorno da Ilha da Conceição

 

O que essas embarcações fazem na Baía de Guanabara?

Ulysses: A manutenção que essas embarcações fazem eu vejo assim: acho que deveria ter uma fiscalização da Petrobras, como tem em outros empreendimentos, para que eles não jogassem todo esse material quando eles acabam de fazer uma obra na embarcação. Você vê que não é só eu que falo isso, porque não é possível que todo ano a gente tem um tipo de pegador. O que a gente chama de pegador é alguma coisa que foi lançada no mar e que a gente traz na rede. Então, quer dizer, se ali tem o pegador, não foi o pescador que colocou. Foram as embarcações. Algumas delas, não todas. Eles fazem a obra e lançam aquele material que sobrou da obra, da manutenção, jogam tudo [no mar]. Esse material é pego pela nossa rede e acaba com a nossa rede. Todo ano tem um pegador diferente. Quando consegue trazer na rede ou quando não consegue trazer, acaba com a rede da gente. Não cabe na cabeça de ninguém dizer que o pescador leva um pedaço de chapa e que a gente vai lançar [no mar] para a gente mesmo acabar com nosso material de pesca, que é o do nosso sustento. Alguém joga esse material e, para o meu ver, e de muitos pescadores, é lançado pelas embarcações de grande porte.

Quando esse tipo de coisa acontece, como que vocês têm que resolver?

Ulysses: Quando a varinha [buraco] que faz na rede é pequena, dá para você costurar. Eu tenho uns amigos que costuram e ajudam uns aos outros aqui. Mas tem tipo de material que é lançado no mar que não tem como recuperar a rede, acaba com a rede e o prejuízo da gente é muito grande, porque já tem um custo de diesel, aí tem alimentação que a gente leva para o mar e tem a manutenção. Fica difícil a gente pescar e levar o nosso sustento para casa. Muitas das vezes, a gente não consegue nem dar o lance. O lance que a gente fala é dar um arrasto completo. Aí o que acontece? Temos que vir embora com a rede rasgada, sem trazer nada, voltar só com o prejuízo, que é o conserto da rede ou, então, outra rede nova. Fica muito difícil para o pescador com esses produtos, material, que são lançados no fundo do mar, pescar. No canal já é mais difícil, porque no canal como tá em tráfego constante, poucos barcos lançam. Lançam, sim, mas com pouca frequência.

Agora a gente perdeu espaço, porque eles acabaram com fundo do mar. Isso não é de agora não, isso vem de muitos anos já, eles vêm degradando isso tudo aí. Vou falar para você, 80% da Baía de Guanabara não pode trabalhar no tipo de pescaria que muitos fazem aqui, que é de arrasto, porque foram diversos tipos de produto, tanto sólido como líquido. Só restou para gente o canal, e esse lugar que a gente ainda pode pescar tá sofrendo pela fiscalização, mandando a gente vir embora, porque não pode mais pescar naquela área. Já levaram muitos barcos presos nessas áreas em que deveria poder pescar. Eles fiscalizam, mas a gente não tem mais a quem recorrer, os órgãos que eram para ajudar a gente não ajudam, então a gente só tem a fiscalização contra a gente, e não tem pessoas ou um órgão que assegure o nosso direito de pescaria. Não podemos pescar na área de limite, mas não também não estamos podendo mais pescar na área que poderíamos pescar. A gente não sabe o que fazer para que a gente tenha esse direito de pescar sem apreensão de material da gente, sem a fiscalização em uma área que é própria para pescar. Tem que ter uma umas pessoas, até dos órgãos fiscalizadores para conversar com a gente, para tentar organizar isso aí.

Por que você acha que existe essa situação do pescador estar perdendo o espaço de pesca e da fiscalização vir em cima de vocês? Por que você acha que isso acontece na Baía de Guanabara?

Ulysses: Eu acho que o interesse maior deles é ajudar os grandes empreendimentos ou pescador? É mais fácil ajudar os empreendimentos que o pescador. Quando deveria ser o contrário, porque o empreendimento vem, mas tinha que ter uma fiscalização para o empreendimento também, porque, daqui a uns anos, eu não vou poder nem mais falar aqui como representante da pesca, da associação. Não vai existir mais pesca, o que eu vou falar aqui? Nada, tudo assoreado, vai ver a Baía muito poluída. E, quer dizer, vai sobrar o quê? Não vai existir mais pesca na Baía de Guanabara, porque estão acabando com tudo. Tem que ter a evolução, o avanço, tem que ter um empreendimento, mas tem que ter responsabilidade dos órgãos de fiscalizar e de mostrar: está fazendo o empreendimento, mas os pescadores têm que ter o direito deles de pescar.

E o que você, como pescador, acha que poderia ser feito pra melhorar essa situação?

Ulysses: Tem que ter mais consciência do poder público para ver essa área, que é uma área que interessa a todos, não é só o pescador. Fiscalizar mais, estar junto com essas entidades que representam a pesca, pra poder desenvolver um caminho pra um futuro melhor para a Baía de Guanabara, porque não é só o pescador que é atingido por isso aí. Então, eu acho que o poder público tinha que interferir, sim. Tem que pegar essas entidades e conversar, ter debate. A Baía de Guanabara é muito importante pro estado do Rio de Janeiro, diversos rios desembocam na Baía de Guanabara, os rios sofrem também com isso. O poder público tinha que estar mais atuante nisso aí, marcar uma reunião com os órgãos competentes da pesca, o pessoal que representa a pesca, porque se deixar do jeito que está, o prejudicado não vai ser só o pescador não, daqui a uns anos todos vão ser prejudicados. O assoreamento vai crescer. Já tá dificultando a gente subir até nossos barquinhos aqui. A dificuldade vai ser pra todos, as grandes empresas que precisam navegar, as embarcações para entrar nesse canal aqui já estão com dificuldade. Os canais já estão todos interrompidos. Quer dizer, tá difícil. Hoje tá prejudicando a área da pesca, mas, amanhã, com certeza vai prejudicar os grandes empreendimentos. Todos vão ser prejudicados.